venerdì

:: Sei de um Ninho...




Wendy Vaugham


Sei um ninho.



E o ninho tem um ovo.



E o ovo, redondinho,



Tem lá dentro um passarinho



Novo.



Mas escusam de me atentar:



Nem o tiro, nem o ensino.



Quero ser um bom menino



E guardar



Este segredo comigo.



E ter depois um amigo



Que faça o pino



A voar...



Miguel Torga

giovedì

:: Escrever-lhe...


Como não ter amado

os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos

mais tristes esta noite.

Pensar que não a tenho.

Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa,

mais imensa sem ela.

E o verso cai na alma

como no pasto o orvalho.

Importa lá que o meu

amor não pudesse guardá-la.

A noite está estrelada

e ela não está comigo.

Isso é tudo.

Ao longe alguém canta.

Ao longe.

A minha alma não

se contenta

com havê-la perdido.

Como para chegá-la

a mim o meu

olhar procura-a.

O meu coração procura-a,

ela não está comigo.

A mesma noite

que faz branquejar

as mesmas árvores.

Nós dois,

os de então,

já não somos os mesmos.

Já não a amo,

é verdade,

mas tanto que a amei.

Esta voz buscava

o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro.

Será de outro.

Como antes dos meus beijos.

A voz, o corpo claro.

Os seus olhos infinitos.

Já não a amo,

é verdade,

mas talvez a ame ainda.

É tão curto o amor,

tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta

tive-a em meus braços,

a minha alma não

se contenta por havê-la perdido.

Embora seja a última dor

que ela me causa,

e estes sejam

os últimos versos que lhe escrevo.

Pablo Neruda